sexta-feira, 3 de junho de 2011

Caos

Eu só espero que o tempo me liberte
desse medo enclausurado de permanecer
com um silêncio amargo do desenfreado
gosto do amar e não ser amado.  

#K.Vieira

Perfil

" Eu já não tenho mais aquele humor cínico que me inspirava a ser poeta, agora possuo uma fonte de água limpa e seca, virei imitador e tradutor de versos alheios.
Morreu a condição que eu tinha de me (des)escrever, hoje só consigo (des)escrever o outro, e acredito que seja melhor assim.
Isso me rende mais tempo com os pensamentos livres de desafeto e dor.
Confesso que sempre odiei aquele vazio das palavras sem dedicação, acho que meus versos, embora falem de outra alma, servem muito mais agora do que quando eu os condenava a permanecerem em minhas mãos ".   

terça-feira, 31 de maio de 2011

À você, que me serve de inspiração

Eu deito, mas minha mente ferve, um turbilhão de palavras ganha meu sono, e acordo, levanto, vou à janela, e sinto o sereno que se apresenta em forma de vento manso.
Me aproximo de uma folha de papel, ela me chama, grita meu nome, se contorce toda sobre a mesa, e me rendo, me sento, escrevo.
Enquanto eu escrevo, as palavras movem-se numa dança circular, num zig zag do tempo, vem e vão como os primeiros passos de uma aula de balé. Os pensamentos me exilam a existência, e como num ato imprevisível, sua face surge, e não entendo o por quê dessa loucura revestida de candura, mas é a sua imagem que me vêm a mente, é o seu cheiro que perfuma o ar, é o seu sorriso que vem deitando a lua, é você que surge em forma de poesia. 
Troco de lugar, mudo de sala, minhas pernas cansadas alteram o jeito de sentar, me posiciono de frente pra janela, de costa para o espelho, ao lado da cama. Olho fixamente pro papel, ele não tem vida, e a caneta até reclama. Rabisco algumas palavras, mas não tem cor, não tem sentindo, as frases permanecem mudas, frias, e enquanto eu não colocar pra fora, vomitar tudo que tem em minha mente, não deito, não durmo, não sonho. E lá me vem você de novo, e mais uma vez eu não entendo, não entendo por que seu rosto me persegue frisando a minha testa e enrugando a minha mão, você me aparece e evapora, não consigo entender o gosto de sua aparição. 
Vou até a sala, caminho entre os espaços da casa enquanto todos dormem, e os ouço de leve, como se o ressonar dos peitos cansados do caos matinal fossem parte de uma sinfonia completa, cantam cifras inteiras entre um quarto e outro, músicas da madrugada silenciosa e preguiçosa, que fabrica os ladrões de atos sorrateiros e renova os votos dos amantes mortais.
Enquanto caminho, sinto o cheiro doce do teu sorriso me perseguindo pelo corredor, impregnou o meu lenço, escureceu a minha vista, e como num ritmo desenfreado de cor, de repente me surge você inteiramente a minha frente, sem malícia, sem pudor, apenas você.
Ouso tocar a sua face, mas me contenho, você se torna mais bonita a distância, e tenho medo que meus dedos estraguem a beleza da sua dança, então eu sento e deixo você me ler.
Você me olha profundamente como se adentrasse a minha alma, despisse a minha áurea, e transformasse tudo em uma única coisa, me deixando sem saída, sem ação. Seu olhar me fuzila a face, me detém o gesto, me alimenta o coração. Você sorri, e por trás de um emparelhado e brilhante muro de dentes, o mistério se desfaz, e a nuvem que abafava o concreto que sufocava as minhas palavras, cai como véu, cai pelo chão. E agora? Agora eu entendo o clarão de seus olhos a me controlar.
E parecendo ouvir a minha súplica, fazes uma pausa, e me deixas te vê, mas não vejo uma pessoa, um ser, o que consome meus olhos são luzes, a tradução de toda a minha fonte inesgotável de inspiração. Então passo a entender a sua perseguição em meus sonhos, as suas aparições em meus delírios e surtos, tudo fruto da minha falta de concentração e aliamento.
Cada escritor tem uma água que banha e renova suas palavras, tem um mix que alimenta as suas frases. E eu, antes perdido de tempos em tempos a procura desse julgamento, não conseguia te enxergar. Mas era você que me vinha perturbar, por que sempre fora você a fonte de alimento para minhas palavras.

Agora que já sei a verdade, do que se trata o nosso 'compromisso', antes que se vá eu te faço uma prece, que mesmo distante, ausente, possa sempre me visitar, já que é você a minha aliança com o céu inspirador. E sendo eu o escritor, que nosso elo seja contemplado pelo tempo, ultrapasse o vigor da história que conduz a vida, não se perca entre o afeto e o desamor dos apaixonados, entre a paixão com que escrevo e a insanidade do que deixo de contar.
Peço-te que me venha, venha de manhã, a noite, a qualquer hora, só te peço que não me deixe de inspirar.
Depois que eu terminar de escrever mais esse parágrafo, o lerei pra você, quero que saibas de tudo, de tudo que tua imagem me faz escrever. E quero que seja você, sempre a primeira pessoa a ler. 

Karine Vieira